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Adiós Anselmi:O Pânico de Villas-Boas

  • Admin
  • há 3 dias
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 1 dia

Entre a pressão dos adeptos e a sua própria coerência, Villas-Boas cedeu e escolheu o mais fácil.

Martín Anselmi não será treinador do FC Porto na próxima temporada. A decisão, tomada esta semana, encerra um ciclo que durou apenas seis meses. O argentino chegou com um perfil de treinador jovem, moderno e ambicioso, tendo sido apresentado como o rosto de uma nova era no Dragão. A sua saída, porém, levanta mais dúvidas do que certezas — não só sobre o trabalho que deixou por fazer, mas sobretudo sobre a coerência da estratégia do clube e da direção liderada por André Villas-Boas. Porque a verdade é que, olhando para o contexto e para os sinais deixados desde janeiro, este despedimento mais parece uma reação ao ruído exterior do que uma decisão pensada.


Quando chegou, Anselmi trouxe consigo a promessa de algo diferente. Um treinador jovem, com trabalho elogiado na América do Sul, sobretudo no Independiente del Valle, onde foi campeão da Sul-Americana com uma abordagem ofensiva, moderna e organizada. O próprio Villas-Boas, aquando da sua contratação, falou de um "treinador de projeto", alguém que vinha para iniciar um novo ciclo, com um modelo mais atrativo e sustentável a médio prazo. A expetativa era de mudança profunda, e como qualquer mudança profunda, não traz resultados imediatos.


O treinador assume uma equipa a meio da época, com pouco tempo para assimilar novos processos, um plantel já em dificuldades competitivas, tendo perdido, logo após a sua chegada, dois jogadores fundamentais: Galeno, um dos principais desequilibradores da frente de ataque, e Nico González, o melhor médio (e melhor jogador!) da equipa. A sua saída deixou uma lacuna gritante no meio-campo que nunca chegou a ser colmatada.

Mesmo nesse contexto, Anselmi procurou implementar uma nova ideia de jogo. Reorganizou a equipa, alterou comportamentos com bola e apostou numa estrutura mais pressionante. Mais do que isso, alterou o sistema base da equipa para uma estrutura com três centrais — uma mudança profunda em relação ao modelo tradicional do clube, que implica novas rotinas defensivas, mecanismos ofensivos diferentes e adaptações individuais exigentes. Os resultados dessa alteração foram catastróficos, o que era natural tendo em conta o calendário apertado, a ausência de pré-época, mas principalmente a total incapacidade dos jogadores de compreenderem e executarem o que lhes era pedido. O que torna esta saída ainda mais difícil de justificar é a forma como o próprio clube se posicionou ao longo do tempo. Villas-Boas sempre comunicou, de forma clara e reiterada, que queria um treinador de projeto, alguém a quem se desse estabilidade e confiança para construir, independentemente dos resultados imediatos. Essa foi a narrativa passada aos adeptos, aos sócios e à comunicação social. Que sentido faz, então, desfazer esse compromisso apenas seis meses depois?



A gota de água foi, ao que tudo indica, a prestação no Mundial de Clubes, onde o FC Porto ficou pela fase de grupos com dois empates e uma derrota. Foi, sem dúvida, um desempenho abaixo do esperado — mas não pode, por si só, servir de justificação para a decisão. Se o Mundial não tivesse existido, tudo indica que Anselmi continuaria. A época já estava encerrada, não havia jogos oficiais pela frente, e o treinador preparava a nova temporada. Isso mostra que o torneio foi apenas um catalisador — a desculpa certa no momento certo. Será mais grave perder com o Inter Miami por 2-1 ou com o Benfica no Dragão por 1-4? Empatar 4-4 com os egípcios do Al-Ahly ou perder de forma inequívoca frente ao Estrela da Amadora por 0-2? O Mundial não veio mudar nada, os problemas já existiam e continuarão a existir enquanto não for dado esse tempo que Anselmi tanto precisava. Liderar um clube exige firmeza de princípios. Se um presidente que se propôs a romper com o imediatismo acaba por ceder ao barulho exterior à primeira oportunidade, a coerência da sua visão fica seriamente comprometida. Villas-Boas tinha a oportunidade de provar que o FC Porto podia finalmente pensar a médio-longo prazo — e ao despedir Anselmi, perde essa credibilidade. Aliás, não é a primeira vez que Villas-Boas é incoerente no discurso. Por um lado pretende um projeto de raíz, mas no dia seguinte assume candidatura ao título — são realidades incompatíveis. A partir de agora, será difícil levar a sério qualquer discurso futuro de Villas-Boas sobre “treinadores de projeto”, porque está visto que essa ideia pode ruir ao primeiro sinal de turbulência.


Ninguém diz que Anselmi viria a ser o El Dorado do Dragão, um profeta predestinado. O argentino também não é perfeito, tendo mostraso algumas falhas próprias durante estes seis meses. Sempre pareceu um treinador amedrontado e hesitante durante os jogos, sem saber reagir à pressão e aos obstáculos que iam surgindo. Além disso, também demonstrou alguma teimosia em forçar o seu estilo de jogo a jogadores que claramente não percebiam nem sabiam executar as suas ideias. Quiçá teria sido mais adequado adaptar-se a este plantel profundamente limitado até à pré-época, para depois sim começar o verdadeiro trabalho. Mas se uma reconstrução desportiva e identitária de um clube pode demorar tipicamente 2, 3, 4 anos, Anselmi merecia, no mínimo, uma pré-época, um mercado de transferências e espaço para consolidar o seu modelo, que tinha sido precisamente o que lhe tinha sido prometido à chegada. A ironia desta situação é que o próximo treinador enfrentará exatamente os mesmos problemas: um plantel com carências estruturais e com qualidade individual mais do que insuficiente. A quantidade de erros individuais básicos que os jogadores desta equipa acumulam em campo é absolutamente ridículo. Nenhum treinador sobrevive a isto. A curto prazo, dificilmente alguém conseguirá fazer melhor. E, sabendo disso, muitos dos treinadores mais cotados não verão o cargo com bons olhos. Ninguém quer arriscar a carreira num projeto onde não há garantias de tempo nem condições reais de trabalho. Não vejo o clube com grande margem de manobra no mercado de treinadores.


Villas-Boas, que fez da sua juventude, tranquilidade e transparência a sua bandeira de campanha, toma aqui uma decisão de pânico, digna de líder fraco e medroso, deixando marcas profundas no plano desportivo e político. É uma decisão tremendamente injusta, que poderá retardar a reabilitação desportiva do clube em vários anos. A sua posição sai fragilizada e, para um presidente recém-eleito com tudo a provar, não é nada bom sinal.



 
 
 

2 Comments


Daniel Pichler
há 12 horas

"Por um lado pretende um projeto de raíz, mas no dia seguinte assume candidatura ao título — são realidades incompatíveis". No contexto da Liga Portuguesa, o FC Porto tem de manter um compromisso de vitória. Projeto não significa necessariamente voltar à estaca zero e ficar fora de competições europeias. Realisticamente, também não significa amealhar vice-campeonatos ou terceiros lugares. Mas não por responsabilidade de André Villas-Boas. Pela força motriz que é a massa associativa que votou nele e que é o sustento do clube há décadas. "Não podemos exigir se não tivermos um objetivo ambicioso", disse Silvino. Os portistas (e bem!) não admitem passar as "secas" de título de SL Benfica e Sporting CP. Se reformatarmos o nosso pensamento em prol de…

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Daniel Soares de Macedo
Daniel Soares de Macedo
há 3 dias

Aí está uma vantagem estrutural... Rui Costa jamais cederia à pressão de uns quantos garotões aventureiros. E assim conseguiu segurar o Mister Lage e a assegurar a primeira vitória frente ao colosso Bayern de Munique. Há quem bata recordes com essa equipa pela dúzia... SL(B) :))))))

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