Auckland City:Mundial Fora de Horas
- Admin
- 18 de jun.
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Atualizado: 23 de jun.
A história da única equipa amadora do Mundial de Clubes

Num balneário modesto nos arredores de Auckland, há jogadores a apertar as chuteiras depois de um dia de trabalho. Treinam à noite, sem contratos nem promessas. Jogam por paixão. Estão no Mundial porque venceram tudo o que havia para vencer na Oceania. No meio de campeões europeus, sul-americanos e asiáticos, trazem outra realidade. Mais simples, mais crua, mais pura.
O contexto do Auckland City diz muito sobre o futebol na Oceania. Não existe futebol profissional no continente — pelo menos se considerarmos a Austrália como parte da Ásia, como a FIFA faz desde 2006. Na Nova Zelândia há dois clubes profissionais, um deles de Auckland, mas ambos competem no campeonato australiano. Aliado à geografia fragmentada da região — com muitas ilhas, distâncias longas e populações pequenas — torna praticamente impossível o desenvolvimento de ligas profissionais. O Auckland City domina num cenário onde quase todas as equipas são amadoras: venceu 13 das últimas 20 edições da Liga dos Campeões da Oceania. Mesmo sendo uma equipa amadora, impõe-se frente a adversários do Taiti, da Nova Caledónia ou da Papua-Nova Guiné. A participação em torneios FIFA garante ao clube um apoio financeiro considerável para a realidade onde se insere.
Estar neste Mundial significou reorganizar vidas. Quebrar rotinas, mudar horários e adiar compromissos. Afinal de contas, a oportunidade era única. Mario Ilich pediu férias no trabalho de logística. Conor Tracey, guarda-redes, que supervisiona um armazém farmacêutico veterinário, teve de recorrer a dias sem vencimento — e admite que isso o vai deixar apertado para pagar a renda este mês. Gerard Garriga, médio centro espanhol, trabalha num gabinete de contabilidade e conseguiu alguma flexibilidade para poder faltar. Dylan Manickum, ligado à engenharia civil, viu-se forçado a delegar tarefas nas obras que acompanha.
Treinam ao fim do dia num sintético em Auckland, trazem o equipamento de casa, jantam entre exercícios e voltam tarde, para acordar cedo no dia seguinte. Não há prémios de jogo, nem massagens pós treino. Há cansaço acumulado, jantares apressados e um equilíbrio delicado entre vida familiar e profissional — desafios diários do comum dos mortais. Sabem o que os espera. Jogam contra profissionais de topo, que fazem mais dinheiro num mês do que estes jogadores numa vida inteira.
Em campo não houve surpresas, só mesmo o previsto e anunciado: ia doer. Contra o Bayern, no jogo de estreia, sofreram dez golos. Contra o Benfica e o Boca Juniors não doerá certamente menos, mas nada disto os fará desviar o olhar do que vieram aqui fazer. São a única réstia de humildade na megalomania deste novo Mundial e representam todas as equipas amadoras pelo mundo fora que mantêm vivo o futebol longe dos milhões. Será a experiência de uma vida para contar aos netos. Não é uma montra, é um escape. Um parêntesis entre dois turnos.

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