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A Psicologia dos Penáltis

  • Admin
  • 13 de jul.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 30 de ago.

As barreiras mentais que separam o marcar do falhar
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Marcar uma grande penalidade soa a tarefa simples: onze metros, uma baliza grande, apenas um corpo humano no caminho. Mas quando o contexto pesa — final de uma grande competição, tudo empatado, a equipa inteira a depender daquele remate — o que é mecânico torna-se mental. Nesses momentos, o gesto mais básico do jogo transforma-se num teste à estabilidade emocional, à concentração e à capacidade de manter o controlo num cenário de pressão máxima. Foi precisamente essa faceta das grandes penalidades que o psicólogo desportivo norueguês Geir Jordet estudou a fundo. Ao longo de mais de uma década, analisou todos os desempates de grandes penalidades em Mundiais, Euros e Ligas dos Campeões desde 1976, procurando perceber o que vai na cabeça dos jogadores quando estão frente a frente com uma decisão desta magnitude.

O que descobriu não é surpreendente para quem acompanha futebol: um desempate por grandes penalidades tem uma componente mental fortíssima.


Jordet entrevistou 25 jogadores que passaram por esses momentos, testaram previsões com 15 equipas de elite e registaram padrões consistentes. Um dos factos apurados no estudo tem a ver com a chamada valência emocional. Quando o remate pode garantir a vitória ou apuramento imediato, a taxa de conversão é de 92%. Mas quando o jogador tem de marcar para evitar uma eliminação imediata, essa taxa desce para 62%. A taxa de conversão também está relacionada com a fase das penalidades em que as equipas se encontram. Quanto mais para a frente, mais tendência existe para falhar. O primeiro penálti é mais frequentemente convertido que o segundo, terceiro e quarto. A única exceção é o quinto. Sendo este muitas vezes o penálti que vale o apuramento, a taxa de eficácia é mais alta — a tal valência emocional positiva referida anteriormente. A partir do sexto penálti, a taxa de golo volta a seguir a tendência decrescente dos primeiros quatro.

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A idade também desempenha um papel importante. Jogadores com menos de 23 anos marcam mais frequentemente do que os mais velhos. A explicação pode estar na menor consciência do peso do momento ou numa maior frescura mental e física. Curiosamente, jogadores com estatuto elevado, especialmente depois de receber um prémio individual prestigiado, falham mais. convertendo apenas 65% dos penáltis. Antes do prémio, a taxa é de 89%.


Outro elemento fundamental é o compasso de espera antes da penalidade. Aqueles que respiram fundo, colocam a bola com calma e mantêm o olhar fixo na baliza demonstram mais estabilidade emocional. Pelo contrário, quem desvia o olhar do guarda-redes ou mostra sinais de evitamento emocional — como ajustar a bola à pressa ou encurtar a corrida — entra num ciclo de auto-sabotagem. Este comportamento é conhecido como choking, ou bottling para os britânicos, em que o jogador falha por pânico ou bloqueio psicológico, e não por falta de qualidade técnica.

O estudo analisou também a influência da cultura de cada país. Jogadores ingleses, por exemplo, têm mostrado historicamente comportamentos mais evitantes: desviam o olhar do guarda-redes e reagem mais rapidamente ao apito. Estes padrões podem refletir um legado psicológico de derrotas passadas, uma espécie de memória coletiva que pesa sobre os jogadores atuais. Aliás, uma das descobertas mais fascinantes do estudo é que a história recente da equipa influencia o desempenho atual dos jogadores. Se a equipa perdeu no último desempate, a probabilidade de falhar o penálti seguinte é maior, mesmo que os jogadores em questão não tenham estado presentes nas eliminações anteriores. Se a equipa ganhou o último confronto, a confiança aumenta, assim como a taxa de sucesso.

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Outro aspeto analisado foi a perceção de controlo. Jogadores que acreditam que os penáltis são uma “lotaria” ou que dependem unicamente da sorte sentem mais ansiedade destrutiva e falham mais. Pelo contrário, quem encara o penálti como algo controlável — um gesto treinado, com variáveis que podem ser preparadas — tende a lidar melhor com a pressão. A crença de que se tem algum controlo é, por si só, uma vantagem grande. Do ponto de vista da execução, verificou-se que quando há um período de espera maior pelo apito do árbitro há mais tendência para falhar, muito provavelmente devido ao fator overthinking. É precisamente por essa razão que os guarda-redes procuram instintivamente atrasar o apito do árbitro. Uma espera curta — não exagerada — parece ser o ponto ideal. O tempo certo para respirar, mas não o suficiente para duvidar. Por outro lado, observou-se que quanto mais rápido for marcado o penálti após o apito do árbitro, mais se falha. Jogadores que rematam menos de 0,6 segundos após o apito do árbitro falham com mais frequência. Essa pressa — muitas vezes inconsciente — parece resultar de uma vontade de “acabar com aquilo” rapidamente. Em contrapartida, quem aguarda entre 1 e 1,3 segundos tende a manter o controlo emocional e a marcar mais vezes. Nos últimos anos, a média entre jogadores experientes tem vindo a aumentar para valores entre os 2 e os 5 segundos.

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O penálti, visto assim, é mais do que um remate. É uma experiência de stress em várias fases: a exaustão do prolongamento, o momento no centro do campo, a caminhada até à bola e o disparo. Curiosamente, segundo relatos dos jogadores, o momento de maior ansiedade é quando estão no círculo central, à espera da sua vez. A partir do momento em que começam a caminhar para a marca, o foco muda e centra-se no gesto. É nesse instante que muitos tentam desligar-se do exterior e confiar apenas na preparação. Apesar de ser um ato individual, o desempate por penáltis é também um fenómeno coletivo. O estudo revelou que a comunicação entre os jogadores — quer verbal quer não-verbal — afeta o desfecho. Quando há interações positivas, motivação mútua e até celebrações intensas de penáltis convertidos, a probabilidade da equipa vencer aumenta. Ou seja, não basta marcar: a forma como se vive cada penálti também influencia o resultado final.

Marcar um penálti é, no fundo, um equilíbrio delicado entre controlo técnico e lucidez mental. A diferença entre um golo no ângulo ou uma bola para a bancada não está apenas no talento, mas em como cada jogador gere os segundos que antecedem o remate. Não se trata de eliminar o nervosismo — esse nunca desparecerá — mas de saber geri-lo e manter a cabeça fria. Uma grande penalidade revela quem é capaz de transformar um cenário caótico num momento simples. Como em tudo na vida, mais do que pontaria, exige presença e personalidade.


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