top of page

Do Abismo à Dobradinha

  • Admin
  • 31 de ago. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 7 de jun.

A crónica de um campeão atribulado e aguerrido.

ree















25 de janeiro de 2020. O FC Porto perdia mais uma final interna (Taça da Liga) frente ao Sp. Braga ao minuto 95. Uma semana antes tinha caído perante o mesmo Sp. Braga em pleno Estádio do Dragão, tendo acabado a jornada a uns longínquos 7 pontos do Benfica. Sérgio Conceição colocava o lugar à disposição em flash interview perante adeptos já frustrados e desgastados com as inúmeras finais perdidas, atraso considerável no campeonato e falhanço clamoroso no apuramento para a Liga dos Campeões. Olhando para as afirmações de Conceição e atual momento da equipa, seria de esperar ação perentória por parte da estrutura dos dragões. Porém, contra todas as expectativas, Sérgio Conceição acaba o mês de janeiro com pleno apoio da direção e com a certeza de que seria treinador do FC Porto até ao final da época. Decisão essa que se provou acertada, tendo em conta os títulos que a equipa acabou por conquistar.


Arranque de pesadelo


Para entender verdadeiramente as enormes dificuldades vividas pelos dragões ao longo da temporada, é necessário voltar ao início. Após um arranque em falso em Barcelos frente ao Gil Vicente, os comandados de Sérgio Conceição caem precocemente da Liga dos Campeões, em casa, frente ao estreante Krasnodar, clube fundado apenas em 2008. Foi uma golpada fortíssima nas aspirações de época do FC Porto, que já contava com 40 milhões de euros pelo acesso à fase de grupos da competição. A realidade é que, nessa altura, Sérgio Conceição ainda não tinha descoberto o seu melhor onze. O treinador portista optava por dois avançados fixos na frente (Tiquinho Soares e Zé Luís), em detrimento de jogadores como Marega e Luís Díaz, tendo até chegado a dar oportunidades a Bruno Costa e Romário Baró. Apesar da vitória categórica no Estádio da Luz ante o Benfica ainda em agosto, a verdade é que o FC Porto era uma versão mais pobre de si própria, na sequência do final de contrato de Brahimi e Herrera. Os portistas eram uma equipa com processos muito rudimentares, onde a eficácia ofensiva provou ser um dos grandes tendões de Aquiles. A insistência no jogo direto e na profundidade, aliada à quase total ausência de jogo interior tornavam o jogo dos dragões altamente previsível e fácil de anular, muito por falta de algum talento individual (e competência!). Mas não era só na frente que os dragões se atrapalhavam. A tendência para o jogo direto tornava os centrais lentos na primeira fase de construção, levando a que o seu primeiro instinto fosse bater na frente, perdendo a bola na maioria das vezes. Nas ocasiões em que procuravam evitar a profundidade, surgiam grandes dificuldades para não comprometer a jogada logo no primeiro terço. Tal notava-se principalmente em jogos europeus, onde o nível de exigência é mais alto e as equipas não se limitam apenas a blocos baixos. A produtividade ofensiva da equipa foi disfarçando ao longo da época muito devido à enorme valência nas bolas paradas. Os dragões registaram quase metade do seu total de golos no campeonato (35 em 74) dessa forma, ajudando a desbloquear jogos muito difíceis onde os processos em jogo corrido não estavam a surtir efeito.


Juventude ao serviço


Devido às graves dificuldades financeiras em que o FC Porto se encontra, é imperativo olhar para dentro no momento de captar e potenciar talentos e os dragões fizeram disso uma prioridade. Ao longo da temporada, Sérgio Conceição foi capaz de lançar seis produtos da formação na equipa principal. Fábio Silva, Romário Baró, Diogo Costa, Fábio Vieira, Tomás Esteves e Vítor Ferreira acabaram por ser revelações muito interessantes no futebol nacional e têm, todos eles, condições para crescer e desempenharem um papel importante na equipa portista.

ree

Europa sem brilho


A campanha europeia do FC Porto em 2019/20 poderá ter sido a pior da última década. Depois da eliminação na pré-eliminatória da Champions, os dragões sentiram enormes dificuldades para ultrapassar um dos grupos mais acessíveis da Liga Europa com Rangers, Young Boys e Feyenoord, tendo caído com estrondo na fase seguinte perante um muito superior Bayer Leverkusen. Foi um percurso europeu praticamente inexistente por parte do FC Porto, que colocava a nu muitas das fragilidades mencionadas no parágrafo anterior. O nível competitivo que a equipa exibiu foi inaceitável e terá de evoluir rapidamente para a Liga dos Campeões na época que se avizinha.



Reviravolta na “raça”


Retornamos assim a 25 de janeiro de 2020, onde esta crónica se iniciou. O abismo estava a meio passo. Os dragões viam as suas limitações dentro de campo atingir as consequências máximas perante um Benfica longe na tabela, motivadíssimo pela vitória em Alvalade e com 18 vitórias nos últimos 19 jogos para o campeonato. A verdade é que nem o mais pessimista dos benfiquistas (ou o mais otimista dos portistas) teria conseguido prever o que se seguiu. Os dragões vencem o clássico no Dragão e encurtam distâncias para a liderança. Na jornada seguinte, o Benfica volta a cair, desta vez na Luz, perante o mesmo Sp. Braga que tinha derrotado os dragões umas semanas antes. Resultado este que foi carne para canhão no balneário dos dragões, que foram vencer a Guimarães em circunstâncias adversas devido ao episódio racista com Moussa Marega. Os benfiquistas perdiam assim, num estalar de dedos, 6 dos 7 pontos de vantagem para os dragões, em apenas duas semanas. Nova jornada, nova escorregadela dos encarnados, uma vez mais em casa, perante o Moreirense. O rival, ainda a rejubilar das jornadas anteriores, passa para a frente do campeonato e nunca mais de lá sai. O FC Porto entrava assim para a pandemia do COVID-19 com um ponto de vantagem sobre o eterno rival e, adicionalmente, com a final da Taça de Portugal no bolso, que iria ser disputada frente a quem mais senão o próprio Sport Lisboa e Benfica no final da temporada.


ree

Dragão treme, mas não cai


O reatar da competição provou ser um processo penoso para muitas equipas do nosso campeonato e os dois candidatos ao título não foram exceção. A realidade é que o tempo de paragem foi muito longo, levando a que as equipas perdessem o ritmo competitivo tão importante para a fase final de uma temporada. Tropeção atrás de tropeção, tanto FC Porto e Benfica foram dando abébias sucessivas um ao outro, perdendo pontos como há muito tempo não se via na nossa Liga. Porém, aquele que poderá ter sido mais determinante para as contas do campeonato terá sido o empate dos encarnados com o Tondela na Luz. Os dragões tinham acabado de perder em Famalicão e perderiam a liderança em caso de vitória benfiquista. A nível anímico, teria sido um boost fundamental para o Benfica e, em contraste, um dano irreversível para um Porto que não demonstrou ser uma equipa muito consistente ao longo da temporada. A verdade é que os encarnados não tiveram força mental para aproveitar os deslizes dos dragões, incluindo o fatídico empate na Vila das Aves.


Cheque-mate


A partir do empate nas Aves, o FC Porto acertou o ritmo e, até ser campeão, nunca mais falhou, enquanto as águias continuavam aos papéis, sem conseguir perceber como alcançar a consistência exibicional pré-clássico. Derrota atrás de derrota (primeiro com o Santa Clara e depois na Madeira), o Benfica hipotecou definitivamente as suas aspirações ao título perante um FC Porto que, não obstante as suas limitações e não dispondo do melhor plantel nem apresentando uma ideia de jogo minimamente atrativa, conseguiu ser mentalmente muito mais forte do que o rival em momentos chave do campeonato e isso fez toda a diferença. Se até ao clássico o Benfica, com um plantel melhor e mais vasto, tinha vindo a ser premiado por uma consistência inabalável em termos de resultados, o clássico no Dragão quebrou essa estabilidade e levou o campeonato para um campo onde uma equipa como o FC Porto se sente completamente em casa, nomeadamente aquilo a que os adeptos denominam de raça. A raça não é mais do que uma atitude competitiva intensa, aliada à força mental de saber ultrapassar a adversidade, com o objetivo de vencer a todo o custo. Esta superioridade anímica voltou a refletir-se na final da Taça quando, reduzido a 10 elementos durante grande parte do jogo, os dragões conseguiram construir uma vantagem de dois golos diante de um Benfica ainda a lamber as feridas de um campeonato onde registou um recorde de apenas 3 vitórias em 12 jogos ao longo da segunda volta.


ree

Em última análise, é insensato retirar mérito ao FC Porto pelos títulos conquistados. Acaba por ser a única equipa a vencer todos os clássicos da temporada, tendo sabido, simultaneamente, lidar com a adversidade que foi batendo à porta ao longo da época, desde a precoce eliminação da Champions, os tropeções caseiros frente a equipas como Sp. Braga, Rio Ave, Rangers ou Bayer Leverkusen, à final da Taça da Liga perdida nos instantes finais. Por sua vez, o Benfica entrou em espiral negativa ao primeiro sinal de adversidade e nunca mais se soube recompor. Os dragões usaram as expectativas geradas contra si próprios (fruto dos insucessos que iam experienciando) como combustível para catapultar a equipa para um nível motivacional muito acima do rival. Não há sentimento mais forte do que a revolta e a vontade de mostrar a todos que nada é impossível, sendo que os portistas levaram esse ideal ao seu expoente máximo. Os títulos também se ganham na abordagem mental com que as equipas encaram os jogos e aí o FC Porto não vacilou.


Inteiramente merecido.

 
 
 

Comentários


bottom of page