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Superliga Europeia:Futebol em Guerra

  • Admin
  • 19 de abr. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 7 de jun.

Na sequência da oficialização da exclusiva Superliga Europeia, o mundo do futebol está sob ameaça perante a maior transformação desportiva do século XXI.


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19 de Abril de 2021. Esta é a data em que o futebol como o conhecemos terá mudado para sempre. Foi neste dia que 12 dos mais ricos e poderosos clubes de futebol anunciaram, em uníssono, uma separação total dos órgãos que governam e legislam o futebol europeu em prol de uma nova liga exclusiva, criada pelos donos dos próprios clubes. Liverpool, Manchester United, Manchester City, Arsenal, Chelsea, Tottenham Hotspur, Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid, Juventus, Inter de Milão e AC Milan abandonam assim, de forma definitiva, as históricas Liga dos Campeões e Liga Europa, em nome de “uma maior sustentabilidade financeira” e de uma “nova era do futebol”. A oficialização da competição foi recebida de modo altamente hostil pela larga maioria dos adeptos, analistas, profissionais ligados ao desporto e até políticos, apelidando-a de “traição” e de “morte do desporto-rei” e encarando a situação como uma “declaração de guerra” e um "golpe de estado". Como chegamos a um ponto onde o desporto mais popular do mundo vê-se ameaçado e incapacitado pela quantidade imensurável de riqueza, poder e influência por parte de indivíduos que nada têm a ver com o jogo e não têm qualquer tipo de compreensão sobre o seu funcionamento e tradição? Que abominam a ideia de um desporto competitivo, baseado no mérito e no trabalho?


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A extinção dos underdogs


A ideia de uma Superliga Europeia já andava no ar desde o início dos anos 90. Arsène Wenger, na altura treinador do Arsenal, revelou em 2009 que já existiam esforços nos bastidores nesse sentido. Enquanto os clubes mais fortes e conhecidos iam sendo adquiridos por investidores americanos, árabes e russos, o desejo de uma liga exclusiva e fechada foi surgindo devido ao exponencial crescimento financeiro desses clubes ao longo da década de 90 e 2000. Não nos enganemos; a capacidade financeira de um clube tem, nos dias de hoje, um peso extraordinário no sucesso desportivo de uma equipa. O fosso para o resto dos clubes tem vindo a aumentar consideravelmente, tornando o fator “underdog” cada vez mais irrelevante. Eventos como o FC Porto de Mourinho em 2004 ou o campeão inglês Leicester em 2016 são cada vez mais raros e quase nunca vistos no futebol atual, mas isso não significa que os grandes clubes não tenham de merecer a qualificação para as grandes competições, como tem vindo a suceder até hoje.


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Capitalismo em estado puro


Uma Superliga europeia significaria o fim desses valores meritocráticos que caracterizam não só o futebol, mas todo o desporto em geral. Recompensa quando se ganha e punição quando se perde. Neste novo formato não haveria descidas de divisão. Cada clube auferiria cerca de 400 milhões de euros apenas pela inscrição, assim como outros 3.5 mil milhões garantidos, independentemente do seu rendimento desportivo. Recompensa quando ganham e recompensa quando perdem. Tal apenas se aplica, obviamente, aos membros fundadores. As restantes 5 vagas destinam-se a clubes externos que, devido à astronómica diferença financeira relativamente aos outros 15, não durariam muito na competição. A punição da derrota só está presente para esses 5 underdogs. Os outros 15 têm apenas de disfrutar e ver a conta bancária encher, cortesia do banco americano JP Morgan, principal patrocinador desta Superliga. É uma liga que não é mais do que um programa de televisão que gera uma onda interminável de conteúdos destinado a adeptos sem qualquer tipo de ligação histórica ao jogo, que estão mais focados na experiência do que na competitividade. Compram um equipamento com o seu nome estampado nas costas, comem um cachorro-quente, pipocas extra-grandes e tiram selfies. O resultado pouco interessa. É um modelo de negócio e uma cultura muito semelhante ao estilo norte-americano. Acabam-se os jogos entre equipas mais “pequenas” como FC Porto ou Roma (FC Porto que ironicamente eliminou a Juventus da Liga dos Campeões este ano) e passa a haver só grandes jogos todas as semanas, como por exemplo entre Real Madrid e Barcelona ou Liverpool e Manchester United. Os jogos grandes e especiais deixam de o ser, porque acontecem de 7 em 7 dias. É evidente que o futebol é um negócio e continuará a sê-lo, mas quando lhe retiramos o mérito em nome de ainda mais lucro por parte de equipas que já eram tubarões, o futebol perde a sua identidade. É um insulto para todas as figuras e lendas dos clubes envolvidos que, ao longo das décadas, conquistaram títulos, escrevendo história ano após ano.


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Timing perfeito


Quando olhamos para a seleção dos “membros fundadores” é evidente que o dinheiro fala mais alto. Equipas como o Arsenal e Tottenham Hotspur, que têm estado em claro sub-rendimento há mais de uma década, sem participação frequente na Liga dos Campeões, fazem parte dos membros fundadores com entrada direta na competição de elite. É um colete salva-vidas para muitas equipas incompetentemente geridas ao longo dos anos. Outras equipas como o FC Porto foram abordados para participar, tendo recusado o convite por não se enquadrar nos princípios fundamentais nos quais o futebol assenta. Note-se que o timing da oficialização não é coincidência. O comunicado surge um dia antes da UEFA anunciar o novo formato da Liga dos Campeões, vigente a partir de 2024, na qual todos os clubes iriam presumivelmente participar. Uns dias após terem aceitado os termos do novo formato, os donos dos 12 clubes dão uma volta de 180 graus e demitem-se em cadeia dos quadros da UEFA, algo imprecedente desde os inícios do futebol. A Superliga será assim presidida pelos presidentes dos respetivos clubes participantes, deixando de existir um regulador neutro. Tudo isto numa altura em que o Barcelona tem quase mil milhões de euros em dívida, enfrentando uma das maiores crises financeiras da sua história. O Real Madrid não fez uma única contratação digna de registo no início da presente época. A Juventus tem de desenterrar 100 milhões de euros até Junho para não entrar em incumprimento e o Inter de Milão ainda agora em Fevereiro pediu financiamentos de emergência. A pandemia do COVID-19 atacou fortemente estas equipas e esta foi a solução encontrada para disfarçar os gastos irresponsáveis dos últimos anos. É importante referir que a UEFA não está isenta de culpas em toda esta situação. A instituição que regula o futebol europeu tem também os seus fantasmas de corrupção e branqueamento de capital. Ainda há uns anos, Michel Platini, ex-presidente da UEFA, foi afastado do seu cargo por inúmeras suspeitas de corrupção. Também o regulamento do Fair Play Financeiro, mecanismo que visa controlar a contabilidade dos clubes europeus foi por vezes aplicada de forma pouco contundente, levando a que clubes como Manchester city e Paris St. Germain incorressem em despesas descontroladas e inúmeros esquemas de lavagem de dinheiro, aumentando assim o poderio financeiro desses clubes.


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A união faz a força


A resistência por parte do mundo do futebol tem sido muito forte. Adeptos e até jogadores têm reagido de forma quase unânime contra a iniciativa, gerando uma onda de enorme fúria, indignação e frustração nas redes sociais. Tanto a UEFA como as próprias federações nacionais já reagiram, ameaçando banir das competições internas e europeias qualquer jogador ou equipa que participe na Superliga, assim como impedir que representem as suas seleções nacionais. Também prometem recorrer aos tribunais se tal for necessário. Isto traria consequências graves para o normal funcionamento das competições atuais e as implicações legais são imprevisíveis. Que será da Premier League sem as suas 6 equipas mais fortes (e que trazem mais audiências e prestígio à competição)? Que será da Liga dos Campeões sem as 20 melhores equipas, competição até agora intocável e com enorme prestígio no panorama mundial? Terá a UEFA capacidade para bater o pé e aguentar a sua oposição face a um poderio financeiro tão considerável? Que será dos Europeus e Mundiais se os jogadores forem proibidos de representar os seus países? É sequer contratualmente legal adotar uma medida desse tipo? Ainda há muitas questões por responder, mas algo é certo: quer esta competição se confirme ou não, o futebol nunca mais será o mesmo. Estamos perante a maior ameaça ao futebol do século XXI. Uma Superliga Europeia vai contra todos os valores meritocráticos do desporto competitivo. O futebol é de todos e quem quiser estar no topo tem de o merecer, ano após ano. Contrariar isto é egoísta, ganancioso e antidesportivo. É guerra aberta ao futebol como o conhecemos e cabe a todos nós protegê-lo.

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